TRUE CRIME, TRUE VÍCIO?
12.11.2025

Antes de tudo, um aviso sincero: esse texto não julga quem consome true crime. Eu consumo. Bastante até. Justamente por isso, senti vontade de trazer esse assunto aqui porque se a gente vai consumir, vamos pelo menos refletir sobre o que isso significa.

De documentários a podcasts investigativos, o fascínio por histórias reais de crimes hediondos levou o true crime a virar um dos gêneros de entretenimento mais consumidos nos últimos anos. O problema é que junto com essa popularização veio algo delicado: a transformação de histórias traumáticas reais em produto cultural.

Alguns dados que explicam essa popularização:

Streaming: as plataformas investiram massivamente e transformaram casos criminais complexos em produtos de consumo de maratona.

Podcasts: no Brasil, o formato explodiu. Podcasts como A Mulher da Casa Abandonada e Modus Operandi possuem audiências gigantes que são seduzidas por narrativas íntimas. A gente escuta enquanto lava louça, caminha ou dirige, quase como se estivesse vivendo aquilo junto.

Predominância Feminina: esse dado me chamou atenção: estudos indicam que mulheres consomem significativamente mais true crime do que homens. O consumo funciona como uma forma de consciência, uma maneira de estudar o predador para buscar mecanismos de proteção e reduzir a sensação de vulnerabilidade.

A Romantização e a Espetacularização da Dor

A transição da notícia para o entretenimento é o ponto mais citado entre os críticos. O que mais preocupa é a romantização da figura do criminoso. Muitas produções focam excessivamente no perfil psicológico, carisma ou passado trágico do assassino, o transformando em um anti-herói complexo (Hello, irmãos Menendez!).

O problema é que ao fazer isso, desviamos o foco da vítima e o gênero corre o risco de inspirar a atração por criminosos e banalizar a barbárie (Oi, Tremembé!). O resultado é que o luto das famílias e os traumas são reabertos e dissecados publicamente em nome da audiência. O valor do conteúdo passa a ser medido pelo grau de choque, transformando a tragédia em um fetiche em que a história da vítima se torna secundária à biografia dramatizada do agressor.

A Banalização da Violência

O consumo contínuo de histórias de violência tem um efeito perigoso: a dessensibilização. Esse fenômeno acontece quando perdemos a capacidade de sentir a gravidade real do ato criminoso. Além disso, o true crime também carrega o risco da simplificação.

O gênero é frequentemente criticado por entregar “finais fáceis”, ignorando a complexidade da criminalidade que envolve fatores socioeconômicos e falhas institucionais. Essa narrativa simplificada pode levar o público a adotar visões punitivistas e simplistas sobre o sistema de justiça, em vez de fomentar um debate sério sobre as causas da violência.

O True Crime Brasileiro

No Brasil, muitas produções seguem modelos americanos, mas nossa realidade é outra. A violência social e sistêmica marca muito mais a criminalidade brasileira, é por isso que essa abordagem é problemática. Ao focar em um molde importado, a produção nacional perde a oportunidade de aprofundar as raízes socioeconômicas e raciais da violência no país.

O Que Podemos Fazer?

Nem tudo está perdido, o gênero tem mostrado sinais de amadurecimento ao priorizar a falha institucional e a trajetória das vítimas. Produções como Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez e O Caso Evandro foram importantes para mostrar que dá pra usar o gênero para questionar e não glamurizar, uma vez que focam na luta daqueles batalham para alterar a lei de crimes hediondos, expondo o ativismo por trás das tragédias, transformando ainda essas produções em ferramentas de crítica às falhas policiais e à tortura.

O true crime é um espelho complexo da sociedade contemporânea. Então, o desafio para os criadores é transcender a mera espetacularização e usar o gênero como uma ferramenta de crítica social profunda e de memória digna para aqueles cujas histórias viraram entretenimento.

O desafio para a gente que consome é: lembrar que cada caso é uma vida real, uma família real, uma ausência que continua doendo e que esse gênero pode ir além do choque: pode ser memória, crítica social e ferramenta de mudança.

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