Querida Evinha, boa noite, amor!
Eis-me nesta sossegada cidade de Alvorada. Uma cidade que encontrei adormecida às nove horas da noite. Começo amanhã meu trabalho, espero que corra tudo bem, embora os negócios estejam um pouco parados. Estou meio melancólico, mas isso passará, espero.
Ah! Escrevo para “aquela que me medita. Ela sonha e esse sonho sou eu.” E depois, quando em mãos, não se tem papel para transmitir ideias – cria-se condições, mesmo sendo inapropriadas são válidas.
Como alma perdida, na escuridão da noite, vaguei pelos cumpridos corredores do hotelzinho de 2ª classe, onde sem luz passo a noite. Queria escrever-lhe mas não tinha papel, resolvi então sair em busca. Tateando pelos corredores batia na porta da direita e da esquerda:
— Me arruma uma folha de papel? E a resposta:
— Não tenho.
No finalzinho do corredor encontrei estas folhas de caderno. Ufa! que alívio.
E agora, eis-me aqui, sentado a sua frente. Cigarro nos lábios, papel e caneta a mão, rosto inclinado – e as ideias? Sumiram!!!
De todos os defeitos que trago comigo, o menos elogiável é sem dúvida, a falta de conhecimentos, os demais são imperdoáveis, mas fazem parte da vida e as pessoas podem até compreendê-los.
…Um rosto inclinado que pensa. Pensa em você e só sabe dizer: “Evinha” “Evinha” “meu benzinho” “Meu benzinho” “Eu te amo “Eu te amo”.
Pretinha querida, quando na 2ª feira que sai dai, vim dormir em Guaraí, onde vendi 250 mil. Na 3ª, dormi em Miranorte, onde vendi 160 mil. Na 4ª, fui à Lagoa da Confusão, mas na volta dormi em Cristalândia. E hoje 5ª, aqui estou em Alvorada, de onde lhe escrevo.
Não consegui encontrar a Terezinha. Falei com o pai dela -sr. Plandô. Mas o cano foi confirmado. Adeus tutú!
Quanto a mulher de Alvorada, prometeu arrumar o dinheiro de hoje até 2ª feira próxima.
O Gabriel foi embora, ele me aborrece um pouco, mas quando ele vai, sinto falta. Talvez seja a falta de seus enjoamentos.
Evinha, nós, os homens, tomamos ares importantes, mas conhecemos, no intimo do coração, a hesitação, a dúvida, a tristeza…
O Gabriel está terrivelmente abatido… Os negócios… A Aninha etc. etc. Pediu-me ele, que arrumasse 250 mil em cheques dos meus fregueses e + 250 mil quando for ao Mato Grosso, totalizando 500 mil, em troca da variante. Tive de aceitar. Agora temos dois carros, mas fico devendo as firmas.
Diante das dificuldades para concretizar nossa união. Diante dos prejuízos que venho tomando, senti um pouco em duvida, mas acabei por topar a parada, porque penso que “o viajante que sobe uma montanha na direção de uma estrela, quando se deixa absorver pelos problemas da escalada, está arriscado a esquecer qual estrela o guia”. Se só age por agir, não irá a parte alguma. E eu não quero esquecer a minha estrela, porque sem você não irei a parte alguma. Talvez este negócio, um pouco arriscado, seja a solução mais rápida para nós. Queria que minha “estrela” tivesse confiança em mim e não pensasse que estou acomodado, como você vem pensando.
De outra parte penso que, a zeladora de uma igreja, quando se preocupa demasiado com a disposição das cadeiras, está arriscada a esquecer que serve a um Deus. Assim, prendendo-me demasiadamente a ideia de só arrumar o dinheiro para o casamento, estou arriscado a esquecer a noiva.
Evinha, inclinado sob a luz da vela já queimei o cabelo duas vezes, mas é por causa da fumaça do cigarro que tenho picumã no nariz.
Meu benzinho, tenho tentado disfarçar minhas preocupações, mas a verdade é que, estou constantemente envolvido pelas próprias condições do aborrecimento. E entretanto, divindades invisíveis constroem-nos numa rede de direções, de declives e de sinais, numa musculatura secreta e viva. Não há mais uniformidade. Tudo se orienta. Até mesmo um silêncio em mim, não se parece com outro silencio.
Sabe, Evinha, pensando bem, há um silêncio de paz, quando estou escrevendo a você, quando a noite traz sua frescura e parece que a gente para num porto seguro, como sua presença amiga e companheira. Há um silencio do meio dia, quando o sol impede os pensamentos e os movimentos. Há um falso silêncio, quando você está distante, porque conheço de perto a religião interior. Há um silêncio de conspiração, quando se sabe que as pessoas tentam fazer sua cabecinha contra mim. Há um silêncio de mistérios, quando os inimigos que a gente pensa ser amigos se reúnem e confabulam para saber nossas vidas. Há um silêncio tenso, quando estou longe e me veem temores de que jamais voltarei a vê-la. Um silencio agudo quando, a noite, a gente prende a respiração para escutar. Um silencio melancólico, se a gente se lembrar do que ama.
DISCLAIMER
Encontrei algumas cartas que meu pai escreveu para minha mãe, essa estava sem data mas desconfio que seja no início dos anos 80.